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terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Cenários e Perspectivas da Contabilidade Ambiental e Social [PARTE I]

O texto que segue é produto de uma apresentação realizada pelo aluno do curso de Doutorado em Ciências Contábeis da UFPE, Wellington Silva Porto, que abordou alguns “Cenários e Perspectivas da Contabilidade Ambiental e Social”.
O texto está dividido em duas partes, que serão publicadas em dois dias distintos: 
I) PARTE I – faz um breve relato sobre o modelo econômico convencional e discute as raízes da contabilidade ambiental e social; e 
II) PARTE II – discute os horizontes da pesquisa contábil ambiental e social.






Cenários e Perspectivas da Contabilidade Ambiental e Social

O tema Contabilidade Ambiental e Social, a partir do final do século XX, tem conquistado lugar em discussões gerenciais e econômicas nas grandes corporações empresariais, assim como no âmbito das políticas públicas. 
Entretanto, nem sempre essa boa receptividade foi assim. Rob Gray, o primeiro pesquisador a escrever um livro sobre Contabilidade Ambiental e autor de mais de 250 publicações sobre o tema, já dizia no início da década de 1990 que “a urgência de longa data das questões ambientais não superou a considerável resistência que existe aos conceitos envolvidos”. 
Precisamos, portanto, olhar para o cenário construído ao longo das últimas décadas em torno do desenvolvimento dos estudos acerca das questões ambientais e sociais, e, a partir desse olhar crítico, entender as perspectivas e desafios que a Contabilidade Ambiental e Social tem pela frente para contribuir com a mensuração e suporte decisório na economia das organizações, poder público e sociedade.

Um breve relato sobre o modelo econômico convencional
Durante muito tempo preponderou na economia, uma visão convencional no que tange às questões ambientais, onde não havia diferenciação entre sistemas abertos e fechados, e onde a economia e o meio ambiente eram vistos como fundamentalmente incompatíveis. 
Mais especificamente, a economia tratava as questões ambientais como meras externalidades, uma vez que não se considerava os impactos de decisões que comprometessem o meio ambiente para a economia das organizações e da sociedade. 
O foco naquele momento era maximizar riquezas e recursos. Porém, tal escopo foi criticado por Boulding em meados da década de 1960, quando, em seu argumento, disse que a busca de riquezas e recursos deveria ser minimizada, a partir do momento em que o interesse pela manutenção da vida e do planeta fossem estabelecidos como prioridade para a sociedade e para a economia. 
Afinal, como uma questão tão importante como o meio ambiente pode ser tratado como externalidade a um assunto que reivindica tanto a existência e comportamento humano?

As raízes da Contabilidade Ambiental e Social
Antes de se pensar em Contabilidade Ambiental e Social, é preciso perceber como a contabilidade se conecta com questões de natureza ambiental e social para assim, despertar o interesse do tema nas áreas de finanças e economia. Para tanto, nosso raciocínio nos remete à Teoria Geral dos Sistemas, enunciada pelo cientista Ludwig von Bertalanfly, ainda na década de 1950, na qual se resume ao fato de que todas as coisas estão conectadas, e que, em princípio, para se compreender uma coisa, é necessário compreender todas as outras coisas. 
No entanto, como isso é impossível na prática, a teoria sugere a definição de subsistemas que possam ajudar no entendimento de seus componentes. O planeta Terra é um perfeito exemplo de um subsistema finito, pois comporta um complexo conjunto inter-reativo de sistemas que apoiam a vida.
Recentemente, a pesquisadora Annie Leonard, autora do livro A História das Coisas, disse que os subsistemas são compostos de elementos influentes, os quais formam uma cadeia de causa e efeito dentro de um determinado ambiente, contendo elementos de entrada, processamento e saída, que ao estabelecerem uma retroalimentação, fecham o ciclo de relação causal. Tal ciclo tem sido adotado para explicar o funcionamento de vários subsistemas, bem como o impacto das decisões tomadas em determinadas etapas do ciclo. 
Como exemplo de uma boa adaptação para a Contabilidade Ambiental e Social, posso citar o ciclo do sistema de gestão física e monetária da ecoeficiência empresarial proposto por Vellani e Ribeiro há cerca de oito anos. Tanto este, como outros ciclos similares, têm testado a relação existente entre o pensamento sistêmico e o meio ambiente com o intuito de demonstrar os benefícios de inserir práticas sustentáveis no contexto econômico-empresarial. Daí, surge o que se conhece por pensamento ecológico, o qual não é tão recente, uma vez que pesquisadores como Commoner, no início da década de 1970 já enunciavam os quatro princípios da ecologia, baseados na Teoria Geral dos Sistemas, que se resumem em: 
i) toda entidade separada está conectada com todo o resto;
ii) tudo tem que ir para algum lugar;
iii) você não consegue tirar nada por nada; e
iv) a natureza é mais sábia. Assim, a ênfase ecológica se dá com a interação dos ecossistemas com os sistemas humano, social, técnico e econômico.
Embora o pensamento sistêmico possua fraquezas, o cientista Rob Gray vem nos dizer que tal forma de pensar ainda permanece a base para as percepções ecológicas.
Outra raiz da Contabilidade Ambiental e Social é o conjunto de princípios do ambientalismo, enunciados pelos pesquisadores Capra e Spremak, no início da década de 1980, os quais se fundamentam na ecologia profunda, responsabilidade social, democracia dos grassroots, não violência, descentralização, perspectivas pós-patriarcal e espiritualidade. 
A partir desses princípios, Rob Gray estabeleceu o que ele chamou de Sistemas de Contabilidade e Informação Ambiental, os quais se dividiam em seis vertentes: 
i) cumprimento e auditorias éticas;
ii) auditorias de resíduos e energia;
iii) orçamentos ambientais;
iv) avaliação dos impactos ambientais e taxas hurdas ambientais;
v) relatoria ambiental e social; e
vi) contabilidade e manutenção do ativo ambiental.
Surge aí a noção de accountability e transparência como um conceito emancipatório que ajuda a expor, aprimorar e desenvolver relações sociais através de uma nova análise e expansão dos direitos estabelecidos à informação.
O grande filósofo contábil Yuji Ijiri, na década de 1970, já dizia que a accountability não é o objetivo central da Contabilidade. Porém, a prática contábil pode ser melhor interpretada e vista de forma diferente se a accountability for vista como um objetivo subjacente.
Mais adiante, entendo que Rob Gray chamou nossa atenção, em seus estudos, sobre a noção de sustentabilidade, a qual, em sentido mais amplo, se relaciona à capacidade do planeta e da biosfera de se renovar, de manter sua "capacidade de carga". 
Sendo assim, uma ação sustentável é, portanto, uma que não perturba a ecologia essencial. Economistas ambientais que precederam Rob Gray propuseram o início das discussões em torno da manutenção do capital natural crítico, do capital sustentável ou substituível, e do capital construído, relacionados ao tema de sustentabilidade, antes mesmo de qualquer discussão acerca de lucro. 
Corroborando com essa visão ambientalista e social em torno do papel da Economia e Contabilidade na sociedade e nas organizações, a economista ambiental palestino-brasileira Amira El Khalili, disse recentemente que o economista tem de enxergar o “lado social e ambiental”, trabalhando em prol do bem-estar da população mais necessitada. É por isso que a essência deste trabalho é fazer com que os instrumentos financeiros sirvam à sociedade.

REFERÊNCIAS

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FERGUSON, John; UNERMAN, Jeffrey. Social and Environmental Accounting Research: Homogeneity, Faddishness and Herding at the Expense Social Significance?. 2013.

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